sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Um Drummond e múltiplos entendimentos...





Por Alice Pontes N. Vasconcelos, Ana Beatriz Rodrigues e Ana Clara Barros.


Carlos Drummond de Andrade, considerado um dos principais representantes da literatura brasileira, escreveu durante sua vida diversos poemas, dentre eles podemos citar:

José

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro
sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?


Este poema apresenta uma característica comum a algumas de suas obras: a visão pessimista do cotidiano. Além disso podemos destacar forte presença da solidão do homem “o povo sumiu”, angústia pela vida, observa-se que a alegria ali já existiu um dia, mas se foi, “a festa acabou”. Há frieza na alma e na vida de José: “a noite esfriou”.

este poema, é importante se ressaltar que todas as situações vividas por ele são impostas, ou seja, ele não as buscou até mesmo porque, durante os versos, apresentam-se protestos que se repetem durante toda a obra “e agora, José? ”. Diante da situação de solidão vivida, não se encontram nem palavras, “está sem discurso”.

Nota-se também forte falta de esperança, pois “o dia não veio”, já que é o nascer do dia que faz surgir novas oportunidades, o que não ocorreu para José. Para ele, tudo lhe parece inútil, ele está impossibilitado de agir, perdeu-se, não se encontra em si próprio, não tem onde procurar ajuda “sem parede nua para se encostar” e, por fim, está sem direção.

Referência:

http://oficinadoescritor.blogspot.com.br/2010/03/analise-do-poema-jose.html


Soneto da perdida esperança

“Perdi o bonde e a esperança.
Volto pálido para casa.
A rua é inútil e nenhum auto
passaria sobre meu corpo. “

“Vou subir a ladeira lenta
em que os caminhos se fundem.
Todos eles conduzem ao
princípio do drama e da flora. “

“Não sei se estou sofrendo
ou se é alguém que se diverte
por que não? na noite escassa”

“com um insolúvel flautim.
Entretanto há muito tempo
nós gritamos: sim! ao eterno. “

O poema reflete sobre a perda da esperança, quando o bonde passa, ele perde não só a esperança, mas também a alegria. A metáfora utilizada da “rua inútil” é para se definir enquanto pessoa. Essa falta de esperança atrapalha seu crescimento, pois ele tenta evoluir e os caminhos se fecham, a ladeira é lenta e difícil de passar. Ele compara a sua infelicidade com a felicidade alheia e, com seu flautin, ele parece não saber diferenciar as situações que são baseadas nas ilusões.


Com base em: http://gr308491.blogspot.com.br/2014/10/soneto-da-perdida-esperanca-carlos.html


Carlos Drummond de Andrade, poeta considerado, até hoje, um dos mais famosos da literatura brasileira, situado na 2a geração modernista, escreveu diversos poemas, dentre os quais podemos destacar “Consolo na praia”, visto a seguir de estrofe em estrofe:

“Vamos, não chores...
A infância está perdida.
 A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu. ”

Nesta estrofe, ele trata de fases pelas quais as pessoas passam ou deverão passar. Trata da infância como um período de imaginação fértil e de descobertas simples, como sabores, cheiros, tato, porém, perdida. Também versa sobre a juventude, fase em que o indivíduo sonha e passa por momentos quase que decisivos. No entanto, também está perdida. Mas quando ele diz, “Mas a vida não se perdeu” ele captura a sensação de que todos ainda passarão por situações importantes, mesmo que percam a esperança passando por desventuras.

"O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua. ”

Amores vêm e vão, mesmo que em nossa concepção eles devessem ser para “sempre”, na vida não se vive apenas um amor e, mesmo que ele nos decepcione, temos de seguir em frente e amar, porque o coração precisa ser forte para prosseguirmos a vida.


“Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão. “


Na primeira parte da estrofe, ele redige sobre uma perda que o deixa intensamente magoado, impedindo-o de viver, de tentar alguma viagem ou superar tudo. Já em “Não possuis casa, navio, terra” fala do seu fracasso que pode ter ocorrido devido as perdas em que teve e, assim, pode o ter desestruturado financeiramente. Por fim, vale dizer que ainda se possui um cão, sinônimo de companheirismo e amor ao seu lado.


“Algumas palavras duras,
Em voz mansa te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o humor? ”

Fala inicialmente de alguma desilusão que foi causada e que aos poucos o derrubou por conta da situação que era considerada inesperada, não se cicatrizando por conta da dor que era considerada insuportável. Na última parte, ele faz uma ironia, mesmo com as desilusões e as perdas.


“A injustiça não se resolve.
A sombra do mundo errado
muraste um protesto tímido.
Mas virão outros. “

Todas as injustiças que passamos ficam como estão, ninguém busca uma resolução ou busca uma melhora, ação considerada conveniente para alguma parte da sociedade e que, de certa forma, é melhor viver as sombras da sociedade cheia de diferenças. O protesto dele é indiferente diante de tantas influências e pessoas que realmente são escutadas. Ele considera o fato de que virão outras pessoas a protestar e cabe à sociedade escutá-los para um processo de melhorias.


“Tudo somado, devias
Precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no qvento...
Dorme meu filho. “


Somar tudo o que se perdeu, pois no fim tudo será desmanchado, (por um fim em tudo), relação do vazio do ser humano que, após tantas perdas, já está perdido, pois não pode mudar ou fazer quase que nada. E “dorme meu filho” se refere ao próximo dia, mais um dia para lutar.

A obra “Antologia Poética”, de Carlos Drummond de Andrade, retrata poemas das diferentes fases da escrita do poeta. A que será exposta nessa parte, é a fase do “Eu todo retorcido”, referida como a fase Gauche (1930-1934) do autor. Para compreender os versos desse período, é necessário entender o significado da palavra Gauche, que vem do francês, “esquerda”. Nesse caso, o “esquerda” entende-se por diferente, incompatível ou deslocado. Daí, encontra-se o sentimento de não pertencimento por parte do autor nos poemas escritos nessa época. Dentre eles, o que mais se destaca, é o Poema de Sete Faces, o qual será analisado a seguir.

"Quando nasci, um anjo torto
Desses que vivem na sombra
Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida...”


Nessa primeira estrofe, Drummond já se autoanalisa como uma pessoa predestinada a ser esquisita, a ser Gauche, desde o seu nascimento. Sua classificação de anjo torto indica que, em relação a aparência, ele até poderia se identificar com qualquer outro, mas seu interior, sempre foi diferente.

“...As casas espiam os homens
Que correm atrás de mulheres
A tarde talvez fosse azul

Não houvesse tantos desejos...”

Aqui, as casas se referem às pessoas dentro delas que observam a vida dos que se encontram do lado de fora. Nessa observação, é percebido o desejo, a libido dos homens em relação ao sexo oposto. Perante a isso, o autor afirma que a Terra poderia ser mais celestial se não houvesse tanta luxúria.


"...O bonde passa cheio de* pernas
Pernas brancas pretas amarelas
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração
Porém meus olhos
Não perguntam nada...”



A tentação sexual se mostra como um fato. Ao mesmo tempo que o coração dele se pergunta o motivo de tanta atração e tanto pecado, pois ele sabe que se trata de algo ruim e errado, seus olhos não perguntam nada, pois ele, como todos os outros mortais, também sente desejo e também aprecia o sensual.

“...O homem atrás do bigode
É sério, simples e forte
Quase não conversa
Tem poucos, raros amigos
O homem atrás dos óculos e do bigode...”

O homem referido é o próprio Carlos Drummond de Andrade. Aí, ele mostra uma gradação em que ele se esconde com receio de mostrar seu verdadeiro eu aos outros, um eu retorcido, fora dos padrões, e, novamente, gauche.

“...Meu Deus, por que me abandonaste
Se sabias que eu não era Deus
Se sabias que eu era fraco...”


Nessa estrofe o autor se questiona do motivo de Deus ter permitido a sua entrada na Terra se ele, como todos os outros, cairia nas tentações do mundo.

“...Mundo mundo vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma solução
Mundo mundo vasto mundo
Mais vasto é meu coração...”

Carlos, com uma pequena rima, demonstra que independente da pessoa que ele fosse, sua essência torta e pecadora continuaria a mesma. Portanto, a mudança de nome não seria uma mudança de seu caráter.

“...Eu não devia te dizer
Mas essa lua
Mas esse conhaque
Botam a gente comovido como o diabo.”


Por fim, após o desabafo em relação ao seu sentimento deslocado no mundo, Carlos renega tudo o que disse anteriormente colocando a culpa de sua comoção no álcool, escondendo-se novamente atrás de capas de proteção que não deixam revelar seu verdadeiro eu. Assim, o que o leitor pode interpretar deste poema e de outros dessa fase, é uma versão retorcida de como o autor realmente é.

 
                                                                           Por Ana Kariny, Arthur Costa e a Ana Vitória

Convívio

Cada dia que passa incorporo mais esta verdade, de que eles não vivem senão em nós
e por isso vivem tão pouco; tão intervalado; tão débil.
Fora de nós é que talvez deixaram de viver, para o que se chama tempo.
E essa eternidade negativa não nos desola.
Pouco e mal que eles vivam, dentro de nós, é vida não obstante.
E já não enfrentamos a morte, de sempre trazê-la conosco.

Mas, como estão longe, ao mesmo tempo que nosso atuais habitantes
e nossos hóspedes e nossos tecidos e a circulação nossa!
A mais tênue forma exterior nos atinge.
O próximo existe. O pássaro existe,
E eles também existem, mas que oblíquos! e mesmo sorrindo, que disfarçados...

Há que renunciar a toda procura.
Não os encontraríamos, ao encontrá-los.
Ter e não ter em nós um vaso sagrado,
um depósito, uma presença contínua,
esta é nossa condição, enquanto,
sem condição, transitamose julgamos amar
e calamo-nos.

Ou talvez existamos somente neles, que são omissos, e nossa existência,
apenas uma forma impura de silêncio, que preferiram.
CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE, A FAMÍLIA QUE ME DEI.

E é essa frase da obra de Neil Gaiman (imagem que acompanha este post) que representa a produção de Carlos Drummond “convívio”.  Tal obra do autor é um dos poemas que completa a coletânea “A família que me dei” onde é retratada a reflexão sobre o atributo da memória.

Assim, tendo como base os artifícios supracitados, pedimos que os leitores desse conteúdo deixem suas reflexões acerca do tema como forma de integrar o conhecimento e de promover uma maior interação entre nós.



Um modo de entender o poema “Ser”, de Drummond!


Por Ana Kariny, Arthur Costa e a Ana Vitória...

SER


O filho que não fiz
hoje seria homem.
Ele corre na brisa,
sem carne, sem nome.

Às vezes o encontro
num encontro de nuvem.
Apoia em meu ombro
seu ombro nenhum.

Interrogo meu filho,
objeto de ar:
em que gruta ou concha
quedas abstrato?

Lá onde eu jazia,
responde-me o hálito,
não me percebeste
contudo chamava-te

como ainda te chamo
(além, além do amor)
onde nada, tudo
aspira a criar-se.

O filho que não fiz
faz-se por si mesmo.

Em um dia sem data, uma hora sem horário, um local sem endereço, dois indivíduos se encontram, porém mesmo que ambos existam um não se faz presente. Você, leitor dessa narrativa, deve estar se perguntando como isso é possível? Bom, isso é trabalho para sua imaginação. Voltando à história... O primeiro desses se encontrou extremamente estupefato não por estar diante de um local nunca visto, mas sim por se encontrar com uma figura ligeiramente semelhante a si mesmo, o qual caminhava  numa estrada sem fim, inesperadamente avistou um banco e ali se acomodou. Já o segundo, que sempre esteve a vagar por ali, seguiu seu criador e sentou ao seu lado, encostando os ombros mesmo que esses não existissem. Ali, inicia-se um diálogo:

    - Olá, me chamo Carlos, e tu tens nome?

   - Não sou dotado de nome.

   - Mesmo que nunca tenha tido algum filho, tu eres um?

   - Depende daquilo que é entendido com filho...

   - Como tu vagas nessa imensidão, já que não possui carne?

   - A brisa não a possui, mesmo assim viaja como nenhum ser nunca viajou.

   - Bom, então me deixe perguntar, filho, em que gruta ou concha moras?

Nesse momento, Carlos pode presenciar pela primeira vez em toda a discussão, um sentimento vindo de sua imagem, assim com um olhar entristecido a figura o responde:

   - Morava junto a ti, mas nunca me percebeste. Contudo sempre o chamei, da mesma forma      que o faço hoje sendo adulto.

O indivíduo sem nome levanta-se e segue sua infinita viagem, assim caro leitor, se é que esteve acompanhando a história até aqui, deve estar se perguntando: E Carlos, o que fez após? Bom, para essa pergunta não encontrei a verdadeira resposta, mas ouço por aí que esse voltou para o mundo dos homens e manteve o contato com o Ser, filho o qual nunca teve, não obstante se faz sozinho até os dias que seguem.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

O que fazer quando uma imagem revela todo o SENTIMENTO DO MUNDO?

Convido você a explorar cada cantinho desse mosaico, feito por Ana Kariny, Arthur Costa e a Ana Vitória, tão sensível ao poema "Infância", que, um dia, Drummond assim quis escrever:



"Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.


No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.

Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!

Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.

E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé."





Soneto da perdida esperança.


                                                                                            Por Débora, Lara e Arthur Brito

Perdi o bonde e a esperança.

Volto pálido para casa.

A rua é inútil e nenhum auto

passaria sobre meu corpo.


Vou subir a ladeira lenta

em que os caminhos se fundem.

Todos eles conduzem ao

princípio do drama e da flora.


Não sei se estou sofrendo

ou se é alguém que se diverte

por que não? na noite escassa


com um insolúvel flautim.

Entretanto há muito tempo

nós gritamos: sim! ao eterno.


     Carlos Drummond de Andrade expõe o cansaço de sua alma, metaforicamente representado pela "rua inútil". No segundo verso, Carlos diz que irá seguir a vida lenta e que irá por qualquer caminho, pois todos eles não levam à lugar algum. Em um momento, ele não consegue diferenciar a realidade com a ilusão – "não sei se estou sofrendo" – e fica mais triste quando pensa em uma possibilidade de alguém poder estar se divertindo em uma noite de muita depressão para ele.

E agora, José?


                                                                                           

                                                                Por Débora, Lara e Arthur Brito.


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Nesse poema, Drummond centra-se na solidão do homem, na fraqueza de quem um dia já foi feliz, um dia já teve tudo e agora nada tem. Dessa forma, o poeta faz um apelo ao materialismo, a medida que José se mostra cada vez mais só, mais deslocado, por não ter mais os bens que um dia já ostentou. Agora a alegria se foi, houve uma perda de momentos bons; a luz apagou, um ascender de trevas na sua vida; o povo sumiu, um abandono e solidão; novamente trevas e solidão na alma do eu-lírico.

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

Segundo o professor Carlos Lacerda, “é capaz de amar, de ser irônico, pois, "zomba dos outros", faz versos, mas que ironia: é desconhecido; vive no anonimato; "José" não tem sobrenome, não se sabe de onde veio nem para onde vai.” José não escolheu a solidão, a solidão o escolheu, o povo o deixou, o povo sumiu. Apesar de tudo José não se mostra isolado da realidade, pois ama, zomba, faz versos e protesta. Para José, até as pequenas esperanças se frustraram, pois o dia não veio, sem com ele novas oportunidades de uma vida menos só.

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

José, agora é marcado por uma confusão d sentimentos opostos, agora se mostra bem mais apegado aos bens materiais, entretanto, claramente desviado e incoerente.

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais!
José, e agora?

José, nesse instante, se mostra incapaz de fazer qualquer coisa, se vê inútil para se afogar num mar de desesperanças criadas. Se vê fora de seu ponto de equilíbrio e paz – Minas Gerais –

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

O autor sugere a José nesse momento que se agite, se manifeste afim de acabar com essa situação, mostrando a necessidade de colocar em risco até a própria vida, pois não há motivos para viver numa situação tão deplorável como a de José. Mas não José não morre, ele é forte, aguenta a solidão e descaso do mundo.

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Totalmente deslocado, José não tem onde se sustentar, sem a fé religiosa, sem uma rocha de apoio, se vê encurralado.


Sete Faces...


                                                                                    Por Débora, Lara e Arthur Brito.

Quando nasci, um anjo torto

desses que vivem na sombra

disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

                  Nessa primeira estrofe, o poeta se mostra deslocado do mundo em que vive, desde seus primeiros suspiros; sendo sua ‘missão’ ser “gauche”, que em francês seria aquele que não segue os padrões e hábitos sociais, ou seja, aquele que não se adequa à sociedade em que está inserido!

As casas espiam os homens

que correm atrás de mulheres.

A tarde talvez fosse azul,

não houvesse tantos desejos.

                 Já na segunda parte, segundo Lucas Lisboa, em seu blog de análises literárias, “a tarde teria um céu azul se não fossem as ganancias e cobiças humanas que enegrecem o céu com suas fumas de cigarros e carros pois um homem para conquistar uma mulher precisa ostentar-se precisa sujar o mundo e fazer-se brilhar para que sua corrida não seja em vão.”

O bonde passa cheio de pernas:

pernas brancas pretas amarelas.

Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.

Porém meus olhos

não perguntam nada.

                  Nesse excerto, o eu-lírico se mostra cada vez mais deslocado do mundo, que por mais rodeado de multidão, está cada vez mais “esquerdo” (gauche), indiferente e desligado dos fatos que estão contemporâneos à realidade que vive.



O homem atrás do bigode

é sério, simples e forte.

Quase não conversa.

Tem poucos, raros amigos    

o homem atrás dos óculos e do -bigode,


   O homem sério, que se esconde atrás de uns óculos e bigode, representa o próprio Drummond, que não se mostra interessado em inserir-se no grupo, ocultando-se por meio de adereços.


Meu Deus, por que me abandonaste

se sabias que eu não era Deus

se sabias que eu era fraco.



 Nesse momento, Drummond questiona uma entidade divinal, o porquê de o deixar ser um ser tão desviado dos padrões sociais, sendo que, desde seu nascimento, foi designado para tal papel.


 Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.


  Agora Carlos afirma a imensa vastidão de seu coração, que, por ser tão deslocado, se firma numa solidão profunda. Que por mais que chamasse Raimundo – que o nome em sua gênese significa sábio, protetor, originário da união – não seria o suficiente para ir de encontro com o seu designo de solidão.


 Mundo mundo vasto mundo,

se eu me chamasse Raimundo

seria uma rima, não seria uma solução.

Mundo mundo vasto mundo,

mais vasto é meu coração.


   Na última estrofe, o eu lírico admite ter se embriagado com a paisagem e sua atormentadora solidão, acompanhada de uma taça de conhaque, que o leva a expressar sentimentos e revelar verdades sobre si que nunca o fariam sóbrio

Uma província, uma confidência, uma certa evocação, ao som da Moça Fantasma!

 

Por Alberto Maciel, Julia Beatriz e Guilherme Vasconcelos


Uma província: esta


          A seção: 'Uma província: esta' possui poemas que retratam a cidade e o Estado natal de Carlos Drummond de Andrade, Itabira – Minas Gerais. Com um ar nostálgico, mas não sendo permeado por saudosismo, Drummond analisa o local de sua origem de maneira crítica e com subjetividade, como em 'Evocação mariana', e expõe muitos de seus anseios e traços pessoais, como em 'Confidência do Itabirano'. Além desses, demonstra um lado mais sombrio e oculto de Minas em 'Canção da moça-fantasma de Belo Horizonte', nunca esquecendo, porém, sua terra, mesmo vivendo no Rio de Janeiro, onde compõe 'prece de mineiro no rio'.


            Tendo nascido em Itabira, filho de proprietários rurais, saiu do interior e foi morar em Belo Horizonte, onde adoeceu e teve que retornar, passando a ter aulas particulares. Em 1918, começou a estudar em Friburgo, Rio de Janeiro, depois voltando novamente a Itabira, onde começou a publicar no Diário de Minas. Ali ganhou um concurso de 50 mil reis da Novela Mineira e fundou 'A Revista', um dos veículos do modernismo mineiro.


             Não satisfeito com a vida no interior, volta a Belo Horizonte, se tornando redator do Diário de Minas e ingressando no serviço público. Em 1934, muda-se para o Rio, onde passa a chefiar o Ministério da Educação. Seu estilo era pessimista e utilizava da ironia e do humor para retratar situações no dia a dia, fazendo retratos subjetivos da realidade por meio da poesia.


Confidência do itabirano


Alguns anos vivi em Itabira.
Principalmente nasci em Itabira.
Por isso sou triste, orgulhoso: de ferro.
Noventa por cento de ferro nas calçadas.
Oitenta por cento de ferro nas almas.
E esse alheamento do que na vida é porosidade e comunicação.


A vontade de amar, que me paralisa o trabalho,
vem de Itabira, de suas noites brancas, sem mulheres e sem horizontes.
E o hábito de sofrer, que tanto me diverte,
é doce herança itabirana.


De Itabira trouxe prendas diversas que ora te ofereço:
esta pedra de ferro, futuro aço do Brasil,
este São Benedito do velho santeiro Alfredo Duval;
este couro de anta, estendido no sofá da sala de visitas;
este orgulho, esta cabeça baixa...


Tive ouro, tive gado, tive fazendas.
Hoje sou funcionário público.
Itabira é apenas uma fotografia na parede.
Mas como dói!

Análise: Em “Confidência do itabirano”, Carlos Drummond remonta a sua cidade natal com sentimento nostálgico, falando de suas origens e como sente falta de sua terra. O sentimento de dispersão presente no texto é  visto como consequência de um isolamento social oriundo de um personagem em decadência, como em : 'Tive ouro, tive gado, tive fazendas' 'Hoje sou funcionário público'. Não só a saudade da cidade natal, o poema demonstra a preocupação com o futuro desta, visto que o país se modernizava, esquecendo-a. Referências à grande área de exploração de ferro existente em Itabira também podem ser notadas através do texto, como em: 'Noventa por cento de ferro nas calçadas' e 'Oitenta por cento de ferro nas almas'.


Evocação mariana


A igreja era grande e pobre. Os altares, humildes.
Havia poucas flores. Eram flores de horta.
Sob a luz fraca, na sombra esculpida
(quais as imagens e quais os fiéis?)
ficávamos.

Do padre cansado o murmúrio de reza
subia às tábuas do forro,
batia no púlpito seco,
entranhava-se na onda, minúscula e forte, de incenso,
perdia-se.
Não, não se perdia...
Desatava-se do coro a música deliciosa
(que esperas ouvir à hora da morte, ou depois da morte, nas campinas do ar)
e dessa música surgiam meninas – a alvura mesma –
cantando.

De seu peso terrestre a nave libertada,
como do tempo atroz imunes nossas almas,
flutuávamos
no canto matinal, sobre a treva do vale
.


Análise: Em “Evocação mariana”, Carlos Drummond retrata uma igreja simples, em Mariana-MG, que, mesmo com poucos recursos, sobrevive, destacando a religião e não dando importância aos meios materiais. É possível notar a descrição dos altares, da reza regida pelo padre, o cheiro de incenso característico e a aproximação com a religião por meio da música, como em 'Desatava-se do coro a música deliciosa', ou pela própria fé e ambientação, como em 'entranhava-se na onda, minúscula e forte, de incenso, perdia-se'. Drummond já afirmou em um de seus textos que, quando estava vagando por Mariana, imaginou, ao olhar para uma igreja, que os anjos fossem pequenas meninas, as quais, para ele, eram carregadas de delicadeza e leveza, o que bem caracterizaria um anjo. Esse pensamento é presente no texto em: 'e dessa música surgiam meninas – a alvura mesma – cantando.'. A imaginação e a fé de Drummond fluíam em sua mente, o fazendo, em contato com a igreja, se sentir mais leve e puro, retratado em: ' como do tempo atroz imunes nossas almas,'
'flutuávamos' 'no canto matinal, sobre a treva do vale.'


Canção da Moça Fantasma de Belo Horizonte

Eu sou a Moça-Fantasma 
que espera na Rua do Chumbo
o carro da madrugada.
 
Eu sou branca e longa e fria,
a minha carne é um suspiro
 
na madrugada da serra.
 
Eu sou a Moça-Fantasma. O meu nome era Maria,
 
Maria-Que-Morreu-Antes.

Sou a vossa namorada
 
que morreu de apendicite,
 
no desastre de automóvel
 
ou suicidou-se na praia
 
e seus cabelos ficaram
 
longos na vossa lembrança.
 
Eu nunca fui deste mundo:
Se beijava, minha boca
 
dizia de outros planetas
 
em que os amantes se queimam
 
num fogo casto e se tornam
 
estrelas, sem irônia.
Morri sem ter tido tempo
 
de ser vossa, como as outras.
 
Não me conformo com isso,
 
e quando as polícias dormem
 
em mim e foi-a de mim,
 
meu espectro itinerante
 
desce a Serra do Curral,
 
vai olhando as casas novas,
ronda as hortas amorosas
 
(Rua Cláudio Manuel da Costa),
 
pára no Abrigo Ceará,
 
nao há abrigo. Um perfume
 
que não conheço me invade:

é o cheiro do vosso sono
 
quente, doce, enrodilhado
 
nos braços das espanholas.
 
– Oh! deixai-me dormir convosco.

E vai, como não encontro
nenhum dos meus namorados,
que as francesas conquistaram,
e cine beberam todo o uísque
existente no Brasil
 
(agora dormem embriagados),
 
espreito os Carros que passam
 
com choferes que não suspeitam
 
de minha brancura e fogem.
 
Os tímidos guardas-civis,
 
coitados! um quis me prender.
 
Abri-lhe os braços... Incrédulo,
 
me apalpou. Não tinha carne
 
e por cima do vestido
 
e por baixo do vestido
 
era a mesma ausência branca,
 
um só desespero branco...
Podeis ver: o que era corpo
foi comido pelo gato.

As moças que’ ainda estão vivas
 
(hão de morrer, ficai certos)
 
têm medo que eu apareça
 
e lhes puxe a perna... Engano.
Eu fui moça, Serei moça
deserta, per omnia saecula.

Não quero saber de moças.
 
Mas os moços me perturbam.
 
Não sei como libertar-me.
Se o fantasma não sofresse,
 
se eles ainda me gostassem
 
e o espiritismo consentisse,
 
mas eu sei que é proibido
 
vós sois carne, eu sou vapor.

Um vapor que se dissolve
 
quando o sol rompe na Serra.

Agora estou consolada,
 
disse tu do que queria,
 
subirei àquela nuvem,
 
serei lâmina gelada,
 
cintilarei sobre os homens.
Meu reflexo na piscina da Avenida Paraúna
 
(estrelas não se compreendem),
 
ninguém o compreenderá.

Análise: Nesse poema, Drummond é a voz de uma alma solitária que vaga pelas ruas de Belo Horizonte, perdida em vida, ao afirmar nunca ter sido deste mundo, mas inconformada com a morte e presa às lembranças do que foi vivido.
A alma se denomina Maria-que-morreu-antes, o que faz alusão às várias “Marias” que morrem tendo deixado de lado seus desejos e anseios, sem realizá-los em função dos afazeres rotineiros, como se passassem a vida presas à rotina, situações na época criticadas pelo autor que, entretanto, se perpetuam nos dias hodiernos. Assim, notam-se críticas, porém em um tom espectral característico do poema.
O poema também compreende críticas ao individualismo da sociedade moderna, no sentido de que as pessoas não notavam umas às outras, pois estavam concentradas em sua vida, suas tarefas, seu trabalho, que tornava as pessoas a volta simples fantasmas. Nisso, Moça Fantasma não era notada, assim, diante da sensação de ser invisível, só restava a solidão e perambular nas ruas apenas observando.
Moça Fantasma, no poema, expõe que tinha um desejo carnal de ser possuída, porém Maria-que-morreu-antes morreu na virgindade. Por isso, há uma alusão a essa pureza ao citar sempre a sua brancura, que por baixo do vestido havia a ausência branca, além de afirmar que foi moça e será moça. Todavia, há uma inquietação sobre isso, pois Moça Fantasma diz que os moços a perturbam e que ela não sabe como se libertar, apesar de ter consciência de que não é mais carne e sim vapor. Vapor que é capaz de até se dissolver, porém, não de ser possuído.
Nesse sentido, evidencia-se uma saudade do que nunca foi vivido. No poema, Drummond critica a sociedade num tom lúgubre, porém de forma realista. A literatura se apresenta como instrumento capaz de representar visões críticas podendo essas serem positivas ou negativas acerca da sociedade. No poema, o autor se apresenta descontente com os danos da modernidade às relações interpessoais em relação à perda de laços, perda da sensibilidade para com o outro, marcada pela violência e rispidez entre os indivíduos, além da imensa falta de compaixão que há, pois ninguém se põe no alguém ou enxerga realmente outro ser, assim, as pessoas acabam sendo no fundo, simplesmente fantasmas. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Poemas da vertente "Amar-Amaro"

                                                                                     Por Guilherme Freitas, Gabriel, Enzo e Henrick


O poema abaixo, retrata o fazer poético de Carlos Drummond de Andrade durante seu período pessimista (1951-1968), tendo como principal característica o fato de ser uma obra de reflexão, hermética e intelectualizada (Concretismo), cujo contexto seria o de um futuro nebuloso, com desesperança, tristeza e niilismo.

O poema integra a seção “Amar-Amaro”, uma das nove divisões feita pelo autor em sua “Antologia Poética”, organizando poesias de sua carreira como escritor.  Alguns especialistas afirmam que essa divisão mostra a preocupação do ser poético com o mundo exterior, bastante retratado no cenário da 2a Guerra Mundial.

O quarto em desordem

Na curva perigosa dos cinquenta
derrapei neste amor. Que dor! que pétala
sensível e secreta me atormenta
e me provoca à síntese da flor

que não sabe como é feita: amor
na quinta-essência da palavra, e mudo
de natural silêncio já não cabe
em tanto gesto de colher e amar

a nuvem que de ambígua se dilui
nesse objeto mais vago do que nuvem
e mais indefeso, corpo! Corpo, corpo, corpo

verdade tão final, sede tão vária
a esse cavalo solto pela cama
a passear o peito de quem ama



Acerca da leitura do poema, temos a impressão de que se trata de uma crise de identidade, passada pelo autor, cujo o motivo é não ser amado o suficiente. Pode ser visto como algo estranho comparado a outros poemas, mas se encaixa, perfeitamente, no período Pessimista. Um exemplo de desvinculação da temática social e uma volta ao estudo do seu ser interior.

Nesse sentido, Drummond publicou vários poemas durante esse período, tendo como exemplo clássico dessa fase o poema “Instantes”, como pode ser observado abaixo:

Instante

Uma semente engravidava a tarde.

Era o dia nascendo, em vez da noite.

Perdia amor seu hálito covarde,

e a vida, corcel rubro, dava um coice,



mas tão delicioso, que a ferida

 no peito transtornado, aceso em festa,

acordava, gravura enlouquecida,

sobre o tempo sem caule, uma promessa.



A manhã sempre-sempre, e dociastutos

eus caçadores a correr, e as presas

 num feliz entregar-se, entre soluços.



E que mais, vida eterna, me planejas?

O que se desatou num só momento

não cabe no infinito, e é fuga e vento.



Ao analisarmos o soneto, o autor relata o momento em que infere uma paixão, algo que se resume em um prenúncio de amor, este, por sua vez, no verso “Uma semente engravidava a tarde...” irrompe uma ideia para o poeta de recomeço.



Referência:

http://guiadoestudante.abril.com.br/estudo/antologia-poetica-analise-da-obra-de-carlos-drummond-de-andrade/

domingo, 13 de agosto de 2017

1. Primeiro sabor!

Começamos esta desafiadora empreitada, ouvindo o próprio poeta dizer sua poesia eterna, com aquela voz reveladora da "mineirice" que tinha na alma...